Não te ouço.
Chega-te mais perto, é que assim não te consigo ouvir.
Está muito barulho aqui. As notícias que vi de manhã, aqueles malditos grupos do Whatsapp que não param de vibrar, a conta da luz até amanhã, a lista de supermercado que deixei na mesa da cozinha (ou foi na outra mala?).
É que assim não te consigo mesmo ouvir.
Sabes do que é que me veio à cabeça? A sensação dos pés descalços nas pedras quentes do rio lá da terrinha. Sim, sabes quando sais daquela água gelada e te colas às rochas à procura de calor? A minha família diz que eu sou uma lagarta, acho que aproveitam o termo para mandar uma indireta futebolística também. Mas era isso, quando tiras o chinelos e ficas ali a absorver os últimos raios de agosto, com os pelos dos braços eriçados e um sorriso de olhos fechados. Lá no nosso paraíso. Nós chamamos-lhe paraíso, embora dele tenham fugido os nossos bisavós a sete-pés.
Temos a memória curta. É porque não nos conseguimos ouvir. Já não há diálogo, somos egoístas, sabes? Sempre preocupados com o nosso umbigo: “eu, eu, eu, eu”. Pff… incrível.
O que é que disseste? Oh pá, desculpa, é que não te consigo ouvir.