Lembraste do dia em que nos conhecemos? Daquela tarde de primavera que anunciava um verão impossível. Lembro-me perfeitamente dos teus cabelos desgrenhados e do teu sorriso rasgado, sentado naquele banco como se ali estivesses sempre estado à minha espera.
Sabias dos meus medos e das minhas reservas e foste-me conquistando, pouco a pouco, com paciência e com carinho. Com o tempo até os mais pequenos detalhes eram felizes: os nossos longos passeios ao pé do rio, partilhar o sofá, adormecer com os filmes de domingo à tarde.
O meu coração foi aquecendo, mais e mais e mais, até se tornar num amor absoluto, infinito! Sim, tínhamos de nos encontrar nalgum momento das nossas vidas. Estava escrito.
Curaste-me dos meus medos e em troca dei-te toda a minha dedicação, o meu companheirismo, um ombro amigo. Crescemos juntos e tornamo-nos naquela dupla invencível, com os cabelos ao vento e a sentirmo-nos super-heróis. Lembraste?
A razão da minha felicidade era que tu fosses quem primeiro via ao acordar, e de quem me despedia à noite, feliz. Com os olhos semicerrados podia adormecer enquanto o teu rosto desvanecia.
Há quem espere uma vida inteira por algo assim, já viste a nossa sorte?
De repente não me pesava a ideia de compromisso para a vida. Aqueles conceitos de fidelidade, entrega, respeito e carinho infinitos. Era simplesmente natural.
Agora está escuro.
Empurraste-me pela porta de trás do carro e vejo ao longe os faróis que se afastam. Está frio, estou sozinho e o meu coração parou.
Onde é que vais? O que é que eu fiz? Voltas?
Não sei viver sem ti e sem os nossos passeios no parque. Até aprendi a dar a pata porque te fazia rir enquanto me davas festinhas. Não eras o meu melhor amigo?
Vou ficar aqui, à tua espera. Está escuro, tenho frio e não sei onde estou.
O maior canil do país tem cerca de 600 corações partidos. O seu choro junta-se aos outros tantos que continuam à espera na berma da estrada.