– Um Malboro e um isqueiro. Pode ser esse azul.
– Era um Camel e um isqueiro. Não, o verde não, e vermelho?
– Uns Slim. Ah, e um isqueiro. Hm… aquele à esquerda, mais à esquerda. Sim, levo esse.
– Pueblo, se faz favor, e um isqueiro.
Qualquer, tanto faz.
Sim, pode ser.
Olho para o isqueiro que tenho na mão. Um Clipper, estava em promoção, com um fundo preto e uns desenhos tribais a branco. (Se não fosse ao mesmo preço não o levava, esqueço-me sempre que se recarrega.)
– Acho que tem a ver consigo, sabe.
Olho melhor para o desenho. Vejo uma carpa que sai do rio, deixando um rasto em espiral. Ou será um dragão que cospe fogo?
É como olhar para as nuvens em constante mutação. Lembraste das tardes no jardim? Estendidos lado a lado a tentar adivinhar as formas. Rias alto e dizias que eu era doido, que se fosse ao psicólogo fazer os testes de Rorschach estava lixado.
Talvez.
Agora olho para as pessoas à minha volta e tento adivinhar o som do que dizem. Tento dar forma aos movimentos dos lábios. Ler os cantos da boca.
– O amigo parece-me um tipo original. Um sonhador, vá!
Tu vias sempre cãezinhos e gatinhos e caras de pessoas conhecidas. Nunca percebia quando apontavas e insistias que pareciam gatinhos dentro de uma cesta, como aqueles autocolantes que tinhas nos cadernos da escola quando eras miúda.
Acho que as nuvens se fartaram do nosso voyeurismo. Fecharam as janelas e correram as cortinas. O céu da cidade é uma redoma cinzenta que filtra a luz.
Quando pestanejei lentamente e me virei para o teu lado, já não estavas. Faltavam os bocadinhos de relva que arrancavas com os dedos. Faltavas tu.
– Diga-me uma coisa, que desenho é que vê neste isqueiro?
– Gatinhos. Uma ninhada de gatinhos numa cesta. Como aqueles autocolantes que as garotas punham nos cadernos.