Vejo pelo vidro que te afastas, sem olhar para trás, confundes-te com a multidão que te circunda e desapareces.
As pessoas que passam são todas iguais a ti, os casacos são todos os mesmos e já não sei qual delas és tu.
Vi pelo vidro que passavas. Estiquei a mão para te tocar e ficou a marca do meu calor nesta barreira de gelo.
Lembraste quando me deste a tua mão gelada? Como o meu toque fez derreter o muro que nos separava? Entre cigarros partilhados senti o roce dos teus dedos compridos e frios nos meus. Não foi um arrepio, foi eletricidade.
Lembrei-me disso enquanto te procurava entre esses casacos compridos todos iguais. Entre essas pessoas que fugiam, como tu, que tinham pressa de chegar a algum lado, que voltavam a casa depois de um longo dia, que corriam para o último comboio.
Esfreguei os meus olhos e este vidro embaciados, quando tudo se voltou focar vi o vazio.
Sentado nesta estação de comboios sinto o ritmo da vida dos outros, o barulho das rodas das malas que se afasta, o barulho dos saltos de que desvanece, o vapor das palavras que arrefece.
Sentado nesta estação vi o teu casaco comprido desaparecer no meio da multidão. Tens razão, não era igual aos outros. Vi-te sorrir e encolher os ombros, vi a tua face gelada como nesse primeiro dia, e soube que também tu sentias esse frio de casa vazia.