A tempestade desta noite inundou a cidade de espelhos. Ao olhar para eles vejo as minhas memórias reflectidas. Vejo a água que se turba como as rugas do canto dos teus olhos quando sorris.
Quando olhas para mim estão sempre lá. Multiplicam-se quando digo alguma coisa que te faz sorrir. Expandem-se de uma maneira única naqueles segundos de tempo suspenso.
Quando olho para elas penso no que faz de ti quem és. Penso em tudo o que viveste e eu não vi. Penso na dor, na alegria e na solidão de todos os teus dias. Penso no mundo reflectido nos olhos inteligentes de um rapazinho pequeno. Nas criaturas fantásticas que habitavam as tuas histórias, nos monstros que te faziam espreitar debaixo da cama e nos sonhos que te prendiam aos lençóis mais uns minutos.
Olhar para ti é como ligar a televisão a meio de um filme que querias mesmo ver. Acelera o coração quando o reconheces, ficas sem respiração por um segundo.
Saltas da prancha mais alta da piscina, emerges e agarras todo o ar do mundo. Sentes a adrenalina das descidas da montanha russa, o coração que salta até à boca.
És para mim um daqueles livros de mil páginas que quero ler noite dentro. Não te quero deixar para um dia em que tenha mais tempo, para umas férias à beira-mar. Não. O que eu quero é sonhar acordada com as linhas que ainda me faltam enquanto espero pelo autocarro, imaginar o desfecho de um capítulo enquanto adormeço.
Mas falava das rugas no canto dos teus olhos. Essas que vejo à minha frente quando pestanejo, essas que surgem quando olho para o reflexo da água, essas que contribuem para a história das minhas.