Sabes aquele semáforo infinito no cruzamento no cimo da avenida? Todos os dias fico lá parada a ver os carros que passam a correr, as buzinadelas de quem decidiu virar sem avisar, os condutores loucos que conseguem discutir em audios do WhatsApp enquanto gesticulam no meio do trânsito.
E eu ali. A fixar o peão vermelho e a tentar transformá-lo em verde com o poder da mente. Semicerro os olhos, sempre funciona melhor que o botão inútil do poste.
Às vezes, do outro lado da avenida, vejo os mesmos rostos de outras esperas. O senhor da lancheira amarela, a rapariga dos caracóis loiros, aquela rapariga que tem um sobretudo maior do que ela.
Às vezes sorriem-me, reconhecem-me. Seremos amigos de esperas infinitas? Do tempo lento das manhãs que voam?
O vermelho é tão lento que tenho tempo para pensar. Para refletir, ainda naquele estado entre o sono e o acordar. Vêm-me à cabeça imagens do dia anterior, dos medos desta noite, dos sonhos de amanhã e das esperanças de hoje.
Os personagens das histórias e da vida real cruzam-se sem nunca se ver. Vivem os mesmos guiões mas em estradas paralelas. Os meus desejos decidem popular as minhas rotinas. Confundir-me. Iludir-me.
Sabes aquele semáforo infinito lá no cimo da avenida? Onde paramos todas as manhãs bloqueados no tempo. Impedidos de andar. Onde passamos lado a lado mas nunca nos tocamos.