O despertador que se repete de 5 em 5 minutos. O ar condicionado na sua máxima potência. O exaustor que puxa sem parar. O elevador que sobe e desce. As portas que batem. Um estômago que ronca. As unhas que coçam a nuca. As sirenes da ambulância. As buzinas no semáforo verde. O telemóvel que vibra dentro de uma mala. As cadeiras que arrastam. A máquina de café que aquece.
Um turbilhão de ruídos que te prende e enrola como as ondas de Setembro. Braçadas e mais braçadas e continuas no mesmo sítio. Como quando aprendes a andar de bicicleta e não te soltam o selim. Como as tuas primeiras danças em cima dos pés dos teus pais. Como o vento que vem do mar, abres os braços e inclinas-te para a frente, suspenso no ar.
As ondas que se confundem com a tua respiração, o rebentar ao ritmo frenético da tua pulsação. Os pés que se afundam na areia que te sustém. Os arrepios do fato de banho molhado por baixo dos calções, o sol que esconde atrás da falésia, que foge outra vez.
Fecho os olhos e vejo os teus. O teu riso que traz o vento. A areia que me chicoteia com a dor da tua distância. Os últimos raios de luz que me aquecem quando sorris. A vontade de agarrar a bóia que me lanças. De alcançar o teu braço esticado. De lamber o sal que ficou nos lábios, de beber aquele que nos escorre pela cara.
Quando te vejo ouço o silêncio. Amanheço numa praia deserta com pegadas dos pássaros madrugadores. Com a areia molhada da maré desta noite. Com o mar lá ao fundo, lá longe no areal. Quando te vejo ouço o vento que me sussurra.
O teu rosto que se afasta quando me gritas em silêncio. As tuas feições que se contorcem da dor que me perfura o peito. A nossa fúria na ventania de fim de tarde.
Abro os olhos para não te sentir. Deixo que a onda me arraste, deixo que o silêncio seja passado, deixo a tua mão suspensa no abismo.