Lisboa, 05:47 da manhã.
Um homem fecha-se numa cabine telefónica. Do bolso do fato gasto tira umas moedas ainda em escudos. Tilintam ao cair na ranhura e a linha telefónica parte depois de um silêncio inicial.
A mala que pousou no chão da cabine faz-nos pensar que vai a caminho do escritório. A mão que treme com o cigarro entre os dedos diz-nos que é só o fim desta noite.
Depois de uns segundos de impasse, ouve-se o telefone que toca do outro lado. Lento, com segundos infinitos, como um despertar cansado depois de uma noite sem dormir.
A cinza do cigarro curva-se, derrotada como o homem que a sustém. Exausto esfrega os olhos e alisa as sobrancelhas. Expira um hálito de ressaca, de copos a mais e de horas longínquas, passadas, memórias turvas como a sua visão.
“Onde é que eu errei?…” pergunta a si próprio nos segundos eternos entre cada toque. “Em que momento é que o meu plano falhou e vim aqui parar? Como é que me perdi nesta estrada em linha recta?”.
“Atende…” pensa para si mesmo antes de ouvir as moedas que caem, rejeitadas, ignoradas pela ausência do interlocutor. O comboio que passa ao longe leva-o para o interrail nos tempos da faculdade, de mochila às costas voltadas para o mar. À descoberta do que não nos contam os esplendores da Nação, do resto, do mais além. Lembra-se do medo e da náusea da liberdade, de querer esvaziar os pulmões num só grito.
Os seus cabelos encaracolados que se fundiam com os dela, despenteados por uma brisa sem sal, por um sol que não queima e sons que desapareciam com cada pulsação.
A estação de Santa Apolónia com os seus casacos cinzentos, passos apressados e beijos de fugida. E ela, com os cabelos despenteados colados aos lábios que se moviam sem som.
Sem som. A chamada que ninguém atendeu e as moedas que não se sentem cair.
O tempo que passou cobra as suas dívidas. O rapaz que partiu do outro lado da linha e não regressou. A mochila às costas à procura de respostas para perguntas que nunca fizeste.