O voo ia cheio nesse final de dia. O horizonte da cabine revelava cabeças em todos os assentos. Num dos últimos, um casal de meia idade cede, educadamente, passagem a uma rapariga que viajava com um livro na mão.
Essa fila, como tantas outras, albergava a sua história única. Mas esta, era uma daquelas que muda a rotação do mundo, que acelera as voltas que dá sobre o seu eixo, e que ameaça virá-lo ao contrário.
Quando o casal se levantou para a fazer passar, sentiu um sorriso diferente que lhe iluminou o rosto. Só podia ser da sua cabeça, mas a Ana podia jurar que já tinha visto aquele homem antes. Ouve-o trocar palavras carinhosas com a mulher, tirar-lhe as palavras-cruzadas de dentro do saco, procurar a caneta na sua mala de mão.
Ana sente-se simulaneamente confortável e desconfortável no meio daquela familiaridade. Às vezes parece-lhe que é sua. Noutros momentos abana a cabeça e remete-se à sua leitura.
O homem ouve música com um daqueles auscultadores que isolam o barulho à sua volta. Fechado num mundo só seu. Quando a mulher se desculpa e se levanta para ir ao toilette, o homem vira-se no seu assento e o passa os auscultadores a Ana. Com uma naturalidade que desconhecia, a rapariga recosta-se no seu lugar com os olhos fechados e um sorriso nos lábios. Ele, com a mão que lhe sustenta o rosto, admira-a com o deleite da partilha. Em silêncio, olham-se durante segundos eternos de uma vida interrompida.