No teatro, ensinaram-me a fixar o olhar num ponto atrás da plateia, para dar a ideia que olho para todos ao mesmo tempo. Concentrada, altiva e presente. No pilates disseram-me que, para me poder equilibrar, devia escolher um ponto para fixar o meu olhar. Estável, segura e harmoniosa. Na vida, disseram-me para ter objetivos definidos para usar como Norte para as minhas ações. Determinada, focada e alinhada.
Mas a vida ensinou-me que não posso olhar para tudo ao mesmo tempo, que não consigo viver numa acrobacia perene e que a nossa bússola funciona numa permanente avaria de campos magnéticos. Mutável, rebelde e inconstante.
Como conchas arrastadas pelas ondas, a maré baixa expõe-nos a nós, aos que andamos à deriva, e junta-nos nos sítios mais inesperados deste mundo. Há quem se deixe flutuar de barriga para cima, com a canção do mar nos ouvidos e um sorriso salgado de olhos fechados. Depois há quem nunca os feche para respirar, ancorado aos pontos fixos imaginários.
O mar, esse grande responsável por encontros e separações, desempenha o seu papel sem cessar: junta corações que estavam longe em sintonia e afasta aqueles que estavam perto mas ausentes.
Há um entendimento silencioso entre almas que se encontram despidas pela força da maré; há uma familiaridade nos olhares e um reconhecimento das próprias feridas que saram com a dor do sal.
Linha do horizonte de esperanças e sonhos, o mar é o meu ponto seguro com as suas ondas e marés. Recta infinita traçada a giz num quadro da escola, apagada com a chuva do olhar e pintada de fresco a cada renovação.