Nesta carruagem de metro solitária esqueço que horas são. Não consigo ver a luz e não sinto o ritmo dos outros, ausentes atrás dos seus muros. Caminho por uma cidade vazia que me confunde como uma manhã de ressaca, estremunhada e demasiado cedo.
Olho para os planos que tinha e que voam com o resto do lixo que ficou por recolher nas estradas. Os voos que não vou apanhar, as férias a adiar, aquele café por marcar.
Como é que chegamos aqui? Dizíamos que agora é que era! Quase na primavera, os nossos sonhos reviviam e este é que ia ser o nosso ano. Cheios de energia, os nossos propósitos implodem na garganta e aterram no estômago. Queimam as asas às borboletas e tiram-nos o fôlego.
Os acasos do destino que nos faziam encontrar foram suspensos até nova indicação. Trocaram as voltas ao fado da nossa história, tornou-se uma nota desafinada e uma voz rouca sem palavras.
Naquele bar, sentados a um metro uns dos outros senti-me acorrentada. A distância que existe entre nós agora tem o nome de regra. Os nossos olhares demorados com medo de nos aproximar são hoje uma imposição. A tua mão que procurava a minha ficou parada na sua intenção.
Num dos últimos refúgios dos destemidos notívagos desta cidade, o barulho das conversas sem sussurros é demasiado. Adiamos o que tínhamos para nos dizer por mais um dia, mais uma semana, mais um mês.
Saímos para uma rua mais abandonada do que os nosso corações. As montras fechadas a cadeado como os nossos sentimentos. O frio que não sei se vem de fora ou de dentro.
Mas, naquele cruzamento que nos separa todos os dias, sinto o calor do teu abraço sem medo. Um gesto sem palavras mas com mil frases na minha cabeça. Destemido, corajoso e surpreendente, decidiste enfrentar normas, regras e imposições. Em tempo de emergência decidiste quebrar a tua proteção, deixar soar o alarme e ser o herói da tua própria salvação.