Passaporte

São 12 ecrãs ligados, ao mesmo tempo, em canais diferentes. Uma cacofonia visual. António estaca em frente da montra. E é como se atravessasse um portal para um mundo paralelo, feito de discussões mudas, paisagens longínquas e notícias de última hora. Gosta de se imaginar do outro lado do ecrã. O terapeuta já lhe disse… Continue reading Passaporte

Desconfinalmente

Sei que é muito cedo pelo nevoeiro cerrado que vem do rio e me envolve como lençóis que pedem só mais cinco minutos. Ao longe, a buzina de um barco soa-me ao despertador que ignoro todas as manhãs. O som das gaivotas faz-me pensar que talvez venha aí tempestade, até que lembro que elas, como… Continue reading Desconfinalmente

A lua deitou-se em Sarakiniko

Resplandecente mãe da noite. Magnânima, abraça as criaturas notívagas, umas vezes dando conforto e, outras vezes, maldosa, expondo-as aos perigos escondidos na sombra. Dela, os homens esperam que traga sorte, boas colheitas, noites longas. Olham-na com olhos suplicantes, extasiados quando se mostra em todo o seu esplendor. Mas ela faz-se rogar. Esconde-se na sombra e… Continue reading A lua deitou-se em Sarakiniko

Um vida impune

Os prédios parecem-me todos iguais nesta periferia de betão. Talvez a Ana tenha razão, começar a andar com um mapa seria de bom uso, porque a minha memória de taxista lisboeta de nada me serve aqui nas ruas da Reboleira. Um sítio de que, até hoje, só tinha referências vagas e que me lembra histórias… Continue reading Um vida impune

Afetos Revisitados

Faz hoje um ano que parti para uma das viagens da minha vida. À janela do avião, vejo o meu sonho ganhar forma depois de horas de mar sem fim. Um pedaço de terra vulcânica dá as boas vindas a quem chega com o seu areal mais dourado: a praia de São Pedro. Uma jura… Continue reading Afetos Revisitados

Nha sonho, nôs segredo

Em tempos de reclusão não há nada como aproveitar para olhar para dentro do nosso mundo e sonhar com aquele que nos aguarda lá fora. O ritmo frenético que nos empurrava de uma atividade para outra, muitas vezes contrariados, de repente parou. Como num jogo do macaquinho do chinês, apanhou os audazes desprevenidos e bloqueou… Continue reading Nha sonho, nôs segredo

Amor em tempos de contágio

Nesta carruagem de metro solitária esqueço que horas são. Não consigo ver a luz e não sinto o ritmo dos outros, ausentes atrás dos seus muros. Caminho por uma cidade vazia que me confunde como uma manhã de ressaca, estremunhada e demasiado cedo. Olho para os planos que tinha e que voam com o resto… Continue reading Amor em tempos de contágio

Juras de São Pedro

Depois de horas de mar sem costa, o Atlântico revela os contornos de duas ilhas terra que se erguem despidas. Ao aproximar-se, o mar clareia quente e reflete a areia dourada de um recanto abençoado. São Pedro, praia e aldeia que nos acolhem em São Vicente com um sorriso de juras vãs. Enchem o coração… Continue reading Juras de São Pedro

No crepúsculo dos sonhos

Caminhava nas ruas vazias do fim da noite e prenúncio de um novo dia. Através de uma janela ouve o trinado cansado de uma guitarra que lhe lembra o seu fado. Dentro da porta um último dedilhar rouco, uma garganta seca de fumo, uma voz pastosa a pedir o último grogue. Naquela hora mágica em… Continue reading No crepúsculo dos sonhos

Ponto Seguro

No teatro, ensinaram-me a fixar o olhar num ponto atrás da plateia, para dar a ideia que olho para todos ao mesmo tempo. Concentrada, altiva e presente. No pilates disseram-me que, para me poder equilibrar, devia escolher um ponto para fixar o meu olhar. Estável, segura e harmoniosa. Na vida, disseram-me para ter objetivos definidos… Continue reading Ponto Seguro